O governo Lula, por meio do Ministério da Igualdade Racial e da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), lançou recentemente um edital com o objetivo de fomentar a “economia do axé” e a agroecologia dos povos de matriz africana. O programa, que conta com um orçamento total de R$ 4,4 milhões, sendo R$ 1,5 milhão já destinado a 30 projetos, gerou controvérsias e críticas. A principal questão levantada é a ausência de foco em áreas tradicionais de atuação da Fiocruz, como saúde e ciência, setores nos quais a instituição sempre desempenhou um papel crucial.
Apesar da Fiocruz ser reconhecida internacionalmente por seu trabalho em pesquisa científica e no desenvolvimento de tecnologias voltadas à saúde, o novo edital desvia dessa missão ao priorizar iniciativas culturais e religiosas. O edital, longe de mencionar ciência ou saúde, enfoca o apoio a projetos que promovem elementos religiosos, especialmente de matriz africana, o que tem levantado questionamentos sobre a adequação da fundação à sua missão original.
Denise Oliveira e Silva, vice-diretora da Fiocruz Brasília e coordenadora do edital, declarou que "existe uma ciência que a branquitude eurocêntrica não explica", sugerindo que a espiritualidade dos povos de matriz africana também deveria ser considerada um componente de saúde. No entanto, essa perspectiva abriu um amplo debate sobre a destinação de recursos públicos de uma instituição científica a projetos que envolvem crenças religiosas.
A assinatura dos acordos foi marcada por uma cerimônia incomum, fortemente influenciada por elementos religiosos. A mãe de santo Jaciara de Oxum liderou um cântico de candomblé após saudar Ogum e Mãe Gilda, esta última sendo o nome do edital. Essa presença religiosa evidenciou o foco do projeto no apoio às práticas espirituais, o que, para muitos críticos, acendeu um alerta sobre a alocação de verbas públicas para iniciativas religiosas em detrimento de avanços científicos ou melhorias no sistema de saúde pública.
Um dos projetos selecionados, por exemplo, busca capacitar 20 mulheres no Acre em cursos de costura e produção de doces de santo, promovendo o empreendedorismo, mas sem relação com a missão central da Fiocruz. Para críticos, esse distanciamento dos objetivos tradicionais de pesquisa científica e inovação tecnológica levanta preocupações sobre o direcionamento estratégico da fundação.
Um ponto sensível é a ausência de termos como “ciência”, “saúde” e “pesquisa” no edital. Críticos argumentam que a omissão desses temas essenciais desvirtua a finalidade da Fiocruz, cuja atuação histórica se baseia no avanço do conhecimento científico. O edital segue diretrizes do Conselho Nacional de Saúde (CNS), que propõe a integração de terreiros ao Sistema Único de Saúde (SUS), reconhecendo-os como "equipamentos promotores de saúde e cura complementares". Contudo, essa abordagem vai contra a prática baseada em evidências científicas, que é fundamental para políticas públicas de saúde.
Além disso, a iniciativa parece conflitar com normas de outras áreas, como as do Conselho Federal de Psicologia, que proíbe a associação de práticas religiosas a técnicas científicas. A alocação de recursos públicos para iniciativas que tangenciam o misticismo, enquanto áreas como saúde e pesquisa são negligenciadas, alimenta questionamentos sobre as verdadeiras prioridades do governo.
A Fiocruz, como instituição científica e tecnológica, sempre teve como foco a pesquisa e o desenvolvimento de soluções inovadoras para problemas de saúde pública. No entanto, a criação de um edital com foco religioso e cultural desvia de sua tradicional linha de atuação. Para críticos, essa mudança de direção representa uma falha na gestão e na alocação de recursos, gerando incertezas sobre o futuro da instituição.
O programa lançado pelo governo Lula reflete uma nova visão sobre a saúde, que incorpora elementos culturais e religiosos. Entretanto, essa perspectiva encontra resistência ao ser analisada sob o prisma das práticas científicas tradicionais, o que reforça o debate sobre o uso adequado de recursos públicos.
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